29.12.07

Momentos de Hist

Amor é calar a trama.
É inventar! É magia!
As palavras engenhosas
E os teus dizeres do dia
À noite não têm sentido
Quando arquiteto a elegia.

E sendo assim continuo
Meu roteiro de silêncio
Minha vida de poesia.

HIST, Hilda. Exercícios, pg 209.

Apago essa fome da mente,
essa maldita fome

de profundidades.

Porque já não cabe aqui
sequer
uma presença.

com vossa licença...

A falança do dia

Camponesa urbana

Mulher de olhos

Intrusos

Ansiosa como as outras

Ela só goza de momentos

Falsa paz, inventada

Vive a poesia dos outros

Abusa de palavras

Plagiadas

Lambusada de pequenos

E bobos

Fatos cotidianos

Deslocada

Cadáver esquisito

Perante o tédio

Instaurado

Regurgita os velhos discursos prosaicos

Conhece-os todos

Abraçar a palavra alheia

Blá, blá, blá

A falança do dia

Fala, criatura! Fala para matar essa maldita carência

Porque a tua saída é única

Esquivar-se por trás desse discurso idiota

Esse papo de antropofagia me cansa

Quero mesmo é voltar para dentro

Da página

Que aqui fora tá muito chato

Quero brincar com aqueles sons inaudíveis

E, com isso

Digerir meus delicados desejos de mudança

Nascimento de uma dor

No verso, faço prosa

Vista grossa ao compasso

E não é essa a nossa bossa?

Bosta de cabeça pensante

Verbo desgovernado

Destronado da velha razão

Cantoria em tempo espremido. Bom.

Desespero de voz

Que escapa, foge

Melodia nascendo

Na fusão das cordas

No momento em que tocas

As do teu instrumento

Como se fossem as da minha garganta.

Encanto findado

Olhos preenchidos

Deixam no tempo

O fruto de um amor criativo.

27.12.07

Vida em conserva

o meu pomar de potes

conserva infâncias melodramáticas

e mentirosa doçura

de tempos em que novelas eram temas das dores

e os amores tinham gosto de suco de guaraná

...e a intensidade de gritos em praia deserta

no inverno

entre memórias conservadas

e ilusões perdidas

tento encontrar os resquícios

daquele néctar

de um viscoso acreditar

que deixei como rastro

e que, talvez

já não volte a expelir

o tempo mora nos meus frutos

no entanto, tenho vivido de conservas

Sumário de neuras

Ela não pensa............01

Ela não pensa............02

Ela pensa que não ama....05

Ela só ama...............04

Ela só ama...............03

Ela mesma................06

Ela ama só...............07

Mas não fica ..........09

Só ela...................11

Ela ama..................12

E só.....................13

Mas nunca só.............08

Ela não..................15

Ela não pensa............16

Ela pensa................17

Ela pensa................25

Ela só pensa.............32

Nela só..................33

ela...................??

Decadência

Decadência

Amiga primeira

Ouvindo Garoto

Estendo-me em plácida fraqueza

Duas contas

malvada franqueza

que desencoraja a alma

E desinspira a vida

Solidão de prosseguir

Caminho escuro

Sem verde

Sem contas

Sem olhos

Resido no absurdo

do desperdício

de potencial esquecido

com alma presa

em algum lugar que já não é

seria alguém que não mais clama

porque há nisso um saber

que torna tudo muito complicado

deflagro o vazio

meu

hoje

amanhã estarei melhor

porque não sou poeta

porque não sei sofrer com charme

o meu sofrer é kitsch e não serve de nada.

Pretextos

As palavras me acalmam.

Imitam cantares antigos.

Poesia falsa e ternas falcatruas:

Especialidades da casa.

É simples assim...

Se alma não dança, se expele falada; pura verborragia.

Descompassada, cansada, agora balanço no meu refúgio.

Imagino terras além;

Espero porvires, pretextos, hipertextos inspiradores para esse tempo tão esquisito,

que insiste em parar.

Acabo por desfazer-me dos quereres.

Ando, ando...

Um dia chego a algum lugar.

Quando lá estiver,

volto correndo pra minha rede

pra pensar no assunto.

Sinestésico vazio

Sinestésico vazio.

Goiabada cascão sem queijo.

Comer-te-ia com raiva agora, se pudesse.

Quiçá você existisse.

Maldita assombração!

E agora eu sou a boba.

Menina boba.

Achou que ganhava uma cidade, essa menina.

Nada.

Agora só.

Sinestésico vazio.

Amarras do tempo

PASSOS EM CORDAS, PAUTAS

METICULOSO ANDAMENTO

E A ESPINHA NÃO FICA ERETA


CANSO DAS CONCRETUDES

AMPLITUDE DE VISÕES CONVEXAS

E DE COMPLEXOS CALABOUÇOS

INTERNOS

ABRAÇANDO AS AMARRAS

REVIRO O AVESSO DA PELE

E FURO OLHOS

COM PONTIAGUDOS OBJETOS KITSCH

PEDAÇOS, ESTILHAÇOS

DE MEMÓRIA INVENTADA

Eu, palavra

Estranhos desejos acolchoados em risos, suores e balanço de rede. As melhores palavras não pronunciadas. Elas simplesmente ainda não existem, não foram “convividas”. Drummond me ensina a contemplá-las: “trouxeste a chave?”, sugere. Porém, não sou capaz de ir além. Ainda quero cantar minha cidade, meu pensar, tudo aquilo que em mim insiste em plantar-se... e que ainda não é poesia. Quero agora brincar de ser palavra, pronunciar-me com gosto, gostar de ser solta no ar [kitsch mesmo! Como beijo que enfim se descobre beijo, bocas que enfim se descobrem bocas...]. Quero desvendar tudo isso que é bom e que, de repente, torna-se um mundo. Mundo novo, sem expectativas ou vicissitudes. Novo só. E bonito. Quero o “descortinar" de Clarisse.

Não.

Não é no anseio que mora a inspiração, mas nas lembranças boas. De tais quereres, somente fique aquela morna sensação de olhos que se encontram e se acalmam.

Novamente não.

Melhor voltar a Drummond e tentar conviver com os poemas antes de aventurar-me a escrevê-los.

Ode ao Kitsch


Porque não é amor

Essa coisa pinta os olhos e usa lenços coloridos

Fuma cigarros e faz música como pode

Já não expõe as vísceras

Prefere a angústia de pés gelados

Que vagam por expressões ainda mais kitsch

Que a sua patética rotina

Porque não é verdade

È de praxe demonstrar força e desdém

Reação frente ao invisível do cotidiano

Auto-implosões dicotômicas

Mascaradas em balanço de rede

Porque não é deus

Acredita em Guimarães Rosa e se desmonta

Montando na impaciência

Que já deixada de ser escolha, corrói por baixo das unhas

As cordas do instrumento

Procura em notas aquele escasso quê

De nada ser

De nada fazer querer

De si ou de outrem

O Eterno Retorno

Eu sou

O maldito farelo de pão da toalha

Sou eu

“O eterno retorno”

Fodam-se as portas!

E vem essa ânsia

Puta dor que nem dói direito

Não é dor

Se fosse, emagreceria

É um nó

Um precisar de mais e mais

Falta de balanço de rede

Ronronar de demônios

Sedutores

Algo faz hesitar

diante de tantas portas

Fodam-se as portas!

Chega de olhar para elas!

Se, é para sucumbir ao desejo,

Que seja ao da luz do dia!

Que seja a janela aberta!

A janela

Que é somente uma idéia

A janela é o verdadeiro

Alívio da alma...

O mito da caveira

Parece ocultar algo de belo sua sombra platônica...

Mas eu fui além de sua caverna, caveira!

Vi que não há luz para essa tua ossada sem olhos

Que tua ilusão já é real, cristalizada.

Encontrei certa poesia junto ao teu fenecer diário.

Mas sei que a morte não me alimenta.

E sei também que não suportaria

Compartilhar da tua interminável fome.

Mastiga!

Usa esses dentes!

Eles são o que te resta!

Porque eu tenho língua! E pretendo saborear cada pedaço de mim.

Porque sou gozo, sou vida!

E, ao contrário de ti, tenho dois olhos bem abertos.

Entre Hist e Leminski

Que pureza essa minha

Falta de credo.

Daria o que fosse,

Se já não estivesse tudo posto, dado.

Olha-me de novo, lia a menina boba.

Hist não é para meninas bobas!

Fecha-se o olho por cansaço

É olho, a raiz da aleivosia.

Transfere à pele aquilo que no olho falha.

Vaga por camas estranhas plantando olhares.

Multiplicando a fome.

Doce confusão de afetividades.

Procurando Leminski, diria que,

Essa mania de não perder o centro ainda vai me virar do avesso!

E, quem sabe assim,

Com a carne exposta,

Eu permita irradiar essa luz vermelha que agora me queima as entranhas.

Que já não é

Ponta nos murros meus,

Sou própria faca a mutilar-me.

Sátira mal feita da impotência que me domina.

Desespero holográfico,

Dor refletida em ângulos diversos.

Porta, que virou janela, que já não é. E mal se sabe.

Passadas as explosões de tédio, a vidinha previsível segue em sucessões de pausas.

Com poemas pobres e motivos insignificantes.

Os motivos


Poesia truncada

Palavra não quer fugir

Passa voando, desabando alucinações

E morre.

Auto-implosão por decadência

Hoje, esqueci de vestir as máscaras das múltiplas realidades

Enfiei as garras nos últimos punhados de querer e, como sempre, criei necessidades pequenas.

Preenchi-me de embaraços

Ando desvendando a estranha métrica da desilusão

Faço pouco do erro, nego as mais brilhantes barbaridades

Eu, agora, puramente estado

Aceito o acaso como meta.

Meto a vida num caos de sedução

E danço

Danço com força, presença espantosa

Pavoneio o destino com uma boa gargalhada

Invoco o inesperado com ar de palhaça e desmonto-me em lágrimas de criança

Choro de birra, se me derem um doce, logo paro!

Preciso de vento no rosto

Fiapos vermelhos molhados

Se pudesse, faria musicarquitetura cantada

Mas somente três vezes por semana

Que é pra ter tempo para os motivos

Ah! Os motivos...

São eles que destravam a poesia

home, sweet home

Casulo de mágoas ressecadas

De incontidas projeções inúteis

Paredes que afagam as camadas

De pele fissurada de medo

Casulo, buraco menos falso

Pás-pés-próprios, prontos segredos

Plantadas nos erros das vontades

Pequenas gargalhadas de tédio

The Weather Project, Olafur Eliasson. 2003.




O que faz humana essa carne torta, frente a punhados de hélio e imagens falsas?

Um sol que não é, um ser que não fui e que provavelmente nunca serei.

Beleza construída.

O que me faz chorar diante de um sol de mentira?

O reflexo.

26.12.07

Palhaça de Deus


Tempo de gargalhadas divinas

Aqui estou, meus caros!

Vossa ilustre comedora de frutas

Palhaça de Deus

Não é revolta aquilo que de mim se apossa

Menos ainda ingratidão

É fome!

Pinto a vida com olhos tragicômicos

Elegendo Deus meu ventríloquo

E saindo por aí dançando ao seu gosto

E o pior é que ele ri, o filho da puta!

Nada contra Maria...

Aliás... Salvem as putas!

Elas sim sabem o que fazer na manhã seguinte

Sempre dispostas ao sexo matinal...

Se por uns gordos trocados

Já a mim...

Só restam a sede

E a palhaçada

desentendimento


se é por acaso o que faço,

ou o que assim não mais posso,

já nem me interessa.

que não há portas,

refúgios para uma verdade possível,

estou por desvendar.

no espaço interno procurarei os suportes,

dançarei com os nervos a acalmar os quereres.

entendimento é pura religiosidade.

pois eis que vivo na confusão

e dela tenho me alimentado.

porque ainda busco,

aquele estado intangível.

e, ainda por cima,

tenho a cara-de-pau de fingir que é por pura curiosidade.

Intenções de rio

SE INTENTO, AS ÂNSIAS VAZAM SOBRE AS ASPAS DO TERMO

INCERTO, DESCONEXO

NO ANSEIO, INTENSIONALMENTE DESABO

ADENTRO

ABAIXO DA INFÂMIA SUPORTÁVEL

PROJETO O RIO NO QUAL JOGAREI AS PALAVRAS PURAS DEMAIS

QUE ELE JORRE CLICHÊS DAS VEIAS

SOBRE ESSA CIDADE VAZIA

E EU, AFOGADA

NA CONDIÇÃO DE CORPO SEM ÂNIMOS

HEI DE BOIAR

EM UM MAR AMPLO

SEM LINGUAGENS

Pausa

Não sou somente o que não pareço, mas também despedaço em imagens estúpidas, é fato.

Não desejo um parecer sobre o que sou, posso ou o que já passou.

Ou talvez nunca passe.

Nessas passagens, a vida é tão cheia de parecências, que cansa.

Por isso o momento é de pausa, de vazio.

E não há porque procurar poesia no vazio.

O vazio só é visível pelo lado de dentro.

Por isso somos tão egoístas.

E ainda assim, visão é algo tão traiçoeiro.

O vazio é bom mesmo para imergir-se. E só.

Sem visões, sem palavras.

Pois bem, esvazio-me.

Para uma pausa.

Tombo

TOMBA NA SOLEIRA DA PORTA,

QUE ESCANCARA A ALTURA DO MEDO

E A VASTIDÃO DE UM CHÃO QUE FALTA

CAI COM CERTO DELEITE

SENTE NA ESPINHA A RESISTÊNCIA DO AR,

NÃO A SUA

SUA MENTE ESTÁ CALMA, FUNDE-SE AO NADA

PARA O QUAL DESPENCA

ADENTRA

SEM MAIS DIZERES, É MENTE MUDA

A PARTIR DE AGORA

Sonho Cotidiano

Despida das vestes, envolta nas velhas cobertas

Desligo as luzes do dia

Desisto das imagens dos outros

Imersa no mundo do nada

No mundo palavra, faço-me corpo

Devasso em pensamentos solitários

Deliciosa sensação de escuro

Dançando ao ritmo das sentenças

Como criança embalada

Pelo tic tac à cabeceira

Eis que o dia está prestes

Esse vir a ser de toda manhã me cansa

A idéia de um dia que ainda não está pronto é muito pesada

Pra quem acorda com muito sono

Agarrada até o último fio de sonho

Decido que já é hora de enfiar os pés nas pantufas

Entrego-me ao cheiro do café da madrugada que ainda vem da cozinha

Bom dia! Diz a cozinha vazia

Esqueceste novamente de comprar pão!

Aliás, tens esquecido de tudo um pouco, ultimamente

Saboreando o último pedaço da última maçã da geladeira

Salto pela casa repetindo - em voz alta - a lista de tudo aquilo que esquecerei de levar

Programando afazeres que nunca se concluem, penso que poderia tomar banho frio, vez em quando. Essa água quente não faz bem à minha pele...

Hoje, não tomarei tanto café, não projetarei nada que não possuir um sentido para a minha existência, pensarei um pouco menos nessa maldita existência!

Desligo o Milton do rádio, junto as tralhas e desço a ladeira, curtindo o vento nos cabelos molhados

Bom dia! Dizem todos esses estranhos da rua

Carros enfileirados, pessoas todas doentes, presas nas suas rotinas e esquecendo a poesia

Bom dia! Diz o dia, que ainda não é dia

É mero desfecho da minha falta de vestes sob as cobertas

É sonho cotidiano