19.4.09

O impulso e o navio

Ainda que de mim brotem os velhos clichês,
Ainda que te amar seja uma idéia confusa e bizarra,
(como as cambalhotas na areia, que não têm hora ou motivo, simplesmente nascem de um impulso louco e necessário)
sim! É possível enfrentar os medos sem negar a liquidez deste processo de descortinar pele, sentido, rumo.
Fazer desse delírio um elástico,
Como um caminhar há muito torcido, que enfim, vê-se liso e forte.
Impulso.
Meu corpo arremessado numa parede.
Voando,
Dançarei nos fluxos daquilo que não for nosso, meu ou teu.
Mas do que navegar nas possibilidades de nossa existência, sem forma ou referência.
Se haverá a dor da colisão?
Não se trata de construir um mundo.
Muito menos de desprender-se de uma realidade.
Contigo, vejo a potência de um navio,
Conduzido pelos impulsos de um vento de origem desconhecida.
Que passa pelo elástico, mas vem de infinitos pontos.
Um vento não-direcional. Que pode estar contra o elástico e a favor da trajetória.
Que cria o impulso de “sair de mim”, de experimentar lugares feitos de vida sem rosto,
Sem tantos nomes.
É como se nossa verborragia produzisse um silêncio tão calmo,
que a linguagem já não precisa ser um problema.
Porque faz uso da pele, dos cheiros, dos sons.
Porque é vento.
A linguagem entre a gente respira e dança.
E cresce em forma de desejo.
E eu, de cara para o absurdo, vejo-me perdida entre tanta coerência.
É como levar um tapa da vida. Como um bando de vozes rindo de mim.
Dizendo que eu tenho esses medos.
Dizendo: “tu és como todos os outros”.
Tu buscas o belo.
E esta é mais óbvia das provas.
Se eu tenho medo da dor? Se eu acredito na parede?
Eu nem acreditava no impulso.
Pode ser que a parede também seja feita de vento.
Pode ser que a colisão seja só um nome.
O que ainda importa é o prazer de deixar o vento soprar a vela.

a flor de lírio

Saí da lira. Esparramei as sementes ao vento. Perdi-me de vista.
Cobrará de mim esse mundo a gratidão que eu não sinto? A de ter nascido em bons campos?
Talvez eu prefira ser um pântano, um solo árido.
Ainda que isso faça de mim um ser patético, movido por ânsias, terei de arcar com essa minha cara-de-pau:
Eu decreto meu direito de não ser fértil, de não sustentar nada.
Eu não vivo de plantar e colher.
Só quero decompor o que vive e alimentar o que morre.
Eu não tenho o controle. Não sou controlada pelo prazer. Não corro, não fico parada.
Minha dança é um contorno que se distende e me funde ao meio.
Eu componho movimentos com o brilho dos meus olhos e aquele excesso de contraste que sai do vídeo.
Eu poderia estar fora da tela. Não é o caso.
Posso perder-me, mas o mundo vigia cada passo.
Ele sabe que minha pele resseca quando chega o frio,
Ele enxerga a minha solidão.
E não tenho medo do mundo, mas queria que ele preferisse me ouvir.
O mundo só quer o meu brilho do olho. O mundo me assiste em 100% contraste.
Sou puro Photoshop nesse imenso banco de imagens.
É assim que eles me querem.
É disso que eu falo.
De que vale fazer crescer uma flor mais vermelha que o vermelho em si?
Que estas sementes voem daqui!
Se não for possível sair da tela, que o mundo veja meu pântano, meu deserto.
Porque a minha flor vai deixar de nascer antes de ser um bibelô.
E se quiserem me usar para semear mais brilhos de olho,
Terão de deitar na viscosidade do meu lodo ou queimar a bunda nas minhas dunas.